1.9.06

QUEM TEM MEDO DE JK?


Antes mesmo de tomar posse, no dia três de janeiro de 1956, Juscelino, com seus ambiciosos planos a tiracolo, embarca para os Estados Unidos e, posteriormente, para a Europa, tendo como objetivo tornar claro aos dirigentes (e às elites econômicas) das economias desenvolvidas o que pretendia colocar em prática no Brasil durante seus quatro anos de governo. Esclareceu que, devido aos traumas recentes, o país necessitaria de compreensão e recursos do capital estrangeiro para investimentos em praticamente todas as áreas da economia, vendendo uma imagem de um presidente jovem (apenas 54 anos), moderno e decidido. “Crise” era tudo de que o Brasil não precisava, naquele momento de conturbação mundial (durante a viajem de Juscelino, os Estados Unidos instalaram na Alemanha Ocidental, país visitado por ele, os mísseis do tipo Nike, de longo alcance, ou seja, que atingiriam a União Soviética em caso de perigo iminente).

Juscelino na Itália (janeiro de 1956).









O Brasil de JK seria, em sua visão, um porto firme para os empréstimos estrangeiros, onde a palavra de ordem seria,“DESENVOLVIMENTO” (com ordem, evidentemente). O novo presidente, discursando nos Estados Unidos, deixou claro que, além da importância de investimentos americanos na economia brasileira, o comunismo só seria efetivamente combatido se o país enfrentasse a miséria e a injustiça social, ou seja, mais prosperidade e menos repressão. 
Juscelino deixou os investidores mais ou menos impressionados, mas voltou para o Brasil bastante decepcionado com os capitalistas americanos, que, no seu entender, não captaram o momento especial por que passava o país, a maioria não respondendo, a contento, seu apelo para que investissem sem medo no Brasil, principalmente no caso específico da indústria pesada. Também, Juscelino não ficou nada à vontade com o pedido do presidente dos Estados Unidos, Dwight Eisenhower, para que ele extinguisse o monopólio estatal do petróleo, prontamente recusado pelo presidente brasileiro, sabedor que era que, politicamente, seria impossível tal ato.

A posse do novo governo se dera no dia 31 de janeiro, e em seu primeiro discurso, Juscelino destaca a democracia, o desenvolvimento do país e a paz como objetivo, ao mesmo tempo em que pede o fim do Estado de Sítio ainda em vigor e o fim da censura aos meios de comunicação, no que foi prontamente atendido. Paralelamente, também, toma posse o seu ministério. Juscelino tinha a convicção de que, naquele momento tão delicado, as Forças Armadas (principalmente o marechal Teixeira Lott, seu fiador e futuro homem forte do governo) teriam que ser parceiras no poder para evitar problemas futuros; dessa forma, diversos ministérios civis e órgãos de primeiro escalão foram preenchidos por militares, que ficaram assim constituídos: Ministério da Guerra, marechal Henrique Teixeira Lott; Ministério da Marinha, almirante Antônio Alves Câmara Júnior; Ministério da Aeronáutica, major-brigadeiro Vasco Alves Seco (posse em 21/03/56); Ministério da Justiça e Negócios Interiores, Nereu Ramos; Ministério das Relações Exteriores, José Carlos de Almeida Soares; Ministério da Fazenda, José Maria Alkmim: Ministério da Viação e Obras Públicas, capitão de mar e guerra Lúcio Martins Meira; Ministério da Agricultura, general Ernesto Dornelles Ministério da Educação e Cultura, Clóvis Salgado da Gama; Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, José Parcifal Barroso; Ministério da Saúde, Maurício Campos de Medeiros; também tomam posse diversas pessoas que comandariam os órgãos de assessoramento, como Nelson de Mello (Gabinete Militar), Álvaro de Barros Lins (Gabinete Civil), Isnard Garcia de Freitas (Departamento Administrativo do Serviço Público), Antônio Gonçalves de Oliveira (Consultoria Geral da República, posse em 06/02/56) e Anor Teixeira dos Santos (Estado-Maior das Forças Armadas).
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E para completar, a presidência da Petrobrás, o Conselho Nacional do Petróleo, a presidência da Companhia Siderúrgica Nacional, a Diretoria Geral dos Correios e Telégrafos, a Diretoria da Fábrica Nacional dos Motores a Comissão de Estudos para a Política de Energia Nuclear e a Secretaria Geral da Cofap também foram ocupados por quadros militares. JK realmente não queria correr nenhum risco.
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No plano político, Juscelino contava com o apoio da maioria do Congresso Nacional, graças à aliança do PSD, partido conservador e de base agrária, com o PTB, urbano e progressista, que o levou à presidência. O PSD, que se tornou hegemônico no Congresso, o que mais elegeu congressistas, dominava o mais poderoso dos ministérios civis, o da Fazenda, com o mineiro José Maria Alkmim, que implementaria a política econômica adotada por JK; sua base era composta por setores dominantes dos ruralistas, pela classe média das pequenas cidades do interior dominadas pelos barões da agricultura, principalmente do café, da burguesia comercial e industrial, e, bastante importante, pela burocracia governamental criada por Vargas, agora bandeada para o governo JK. Ao PTB, liderado pelo vice-presidente João Goulart, couberam o importante Ministério do Trabalho e os órgãos ligados à Previdência Social, graças à sua influência nos sindicatos, influência fortalecida pelo fato de o Partido Comunista estar na clandestinidade, o que fez com que o PTB fosse o desaguadouro de muitos dos militantes do partido proscrito.
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O PTB, por isso, contava com o apoio dos dirigentes sindicais e de uma base de trabalhadores urbanos organizados, além de ter o suporte de importantes setores nacionalistas da indústria brasileira. Desta forma, com os dois partidos abrindo mão de parte de seus ideais, o PSD deixando de lado um pouco de seu conservadorismo e o PTB abandonando parte de suas reivindicações trabalhistas, o governo teria uma base de manobra bastante razoável para a governabilidade. Este “pacto” teria que ser fundamental para o sucesso do governo Juscelino Kubitschek. Sinteticamente falando, Juscelino estava com todas as condições objetivas para governar, porquanto contava com o apoio maciço da Confederação Nacional das Indústrias e das confederações estaduais e da liderança sindical operária, o que fez a socióloga Maria Vitória Benevides falar em “peleguismo dourado” (a burguesia), ao lado do peleguismo praticado pelo PTB.
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Já em seu primeiro dia de trabalho, Juscelino apresenta ao ministério o que seria o “cavalo de batalha” de seu governo – o Plano de Metas –, um ambicioso plano de desenvolvimento econômico -, a síntese da política econômica já anunciada durante a campanha eleitoral. Na realidade, Juscelino já trazia de Minas Gerais as idéias gerais do plano, baseado no binômio energia/transporte, que marcara sua gestão à frente do governo mineiro. Como Lucas Lopes fora o formulador desse exitoso binômio, Juscelino também o incumbiu de elaborar seu plano de governo. Absorvendo idéias advindas do ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros, Lucas Lopes foi, indubitavelmente, o autor do plano. Por outro lado, não se pode deixar de levar em conta de que sua base foram os resultados dos trabalhos implementados por um grupo da Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL, em conjunto com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDE, que apontavam para a necessidade de reorientar o papel do Estado e do Capital na economia nacional e que, posteriormente, foram agrupados em seis grupos distintos com 31 objetivos, assim distribuídos:
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- ENERGIA (metas 1 a 5): Seriam basicamente as diversas formas de produção de energia, em consonância com o crescimento da economia, elétrica, nuclear, carvão mineral e petróleo (produção e refino);

- TRANSPORTES (metas de 6 a 12): Construção e/ou reequiparação de estradas de ferro (também com a aquisição de locomotivas e vagões de cargas), construção e/ou pavimentação de estradas de rodagem, construção de portos para o escoamento da produção, construção de barragens e investimentos no setor aéreo e na Marinha Mercante;

- ALIMENTOS (metas 13 a 18): Investimentos em frigoríficos, armazéns e silos, matadouros industriais, produção de fertilizantes e na mecanização da agricultura; o objetivo era o aumento da produção de alimentos, com ênfase na carne e no trigo;

- INDÚSTRIAS DE BASE (metas 19 a 29): Pesados investimentos na produção de bens de consumo durável (automóveis e eletrodomésticos), em outros setores-chaves, aço, alumínio, metais não-ferrosos, papel e celulose, construção naval, borracha, cimento, álcalis e na maquinaria pesada;

- EDUCAÇÃO (meta 30): Reformulação do sistema educacional, que significava a intensificação da formação do pessoal técnico, reorientando a educação para o desenvolvimento;
- META-SÍNTESE (meta 31): Construção da nova capital, Brasília.


Entretanto, antes de efetivamente dar a partida em seu governo, Juscelino foi surpreendido por fantasmas da tentativa de golpe de 11 de novembro do ano anterior; no dia 11 de fevereiro, dois oficiais da Aeronáutica, o major Haroldo Veloso e o capitão José Chaves Lameirão, seqüestram um avião bimotor da FAB e seguem para a base aérea de Jacareacanga, no Estado do Pará, tomando, no caminho, mais três bases, a de Aragarças em Goiás e as de Cachimbo e Santarém, também no Pará. Outro major lotado na base situada em Belém do Pará, Paulo Vítor da Silva, também desertou, juntando-se aos revoltosos.
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Chamado a debelar a rebelião, Vasco Seco, ministro da Aeronáutica, ao contrário do que pensava Juscelino se viu sem autoridade: diversos oficiais da arma se negaram a obedecer ao comando maior, enquanto outras guarnições aderiam aos revoltosos, instalando entre o oficialato a desordem e a quebra de hierarquia. O que se pretendia era criar um clima de insegurança entre os militares das três armas, com a intenção de enfraquecer as instituições e propiciar uma intervenção armada direta contra o governo.
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A rebelião dura até 29 de fevereiro de 1956, quando, se vendo cercados por tropas não só da Aeronáutica, mas, também, do Exército e da Marinha, os revoltosos se rendem em Jacareacanga, basicamente sem oferecer resistência. Dos três cabeças, somente o major Haroldo Veloso foi capturado, enquanto os outros dois oficiais, Lameirão e Vítor da Silva conseguem escapar e pedem asilo à Bolívia.
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Conciliador e alertado pelo acontecimento sedicioso, Juscelino imediatamente envia ao Congresso um projeto de anistia aos civis e militares que participaram das duas revoltas – a de 11 de novembro de 1955 e a de 11 de fevereiro de 1956 –, aproveitando para também incluir no projeto a anistia para os membros presos do Partido Comunista, que, abertamente o apoiara nas eleições findas. O projeto foi aprovado no dia 6 de março, mas não para os comunistas, que foram excluídos da anistia.
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A única vítima da revolta de Jacareacanga foi exatamente o ministro Vasco Seco; inconformado com a anistia, no dia 21 de março desse ano pede demissão do cargo, sendo imediatamente substituído pelo brigadeiro-do-ar Henrique Fleiuss.
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.No mês de maio desse ano, Juscelino foi confrontado com grandes manifestações da UNE contra o aumento no preço das passagens dos bondes no Rio de Janeiro. Sentindo-se acuado, ao invés de tentar negociar com os estudantes, o governo, pura e simplesmente, partiu para o confronto, enviando as Forças Armadas para controlar os protestos estudantis. Não obstante as quebradeiras de sempre, a ordem fora estabelecida e tudo parecia caminhar para a resolução pacífica da questão.
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Entretanto, sem que ninguém esperasse, a PM da cidade interveio na entidade estudantil, fazendo com que as hostilidades voltassem com mais vigor, os estudantes pretendendo tomar as ruas em protesto, contando com o apoio de importantes lideranças da UDN, que não perderiam uma chance dessas para demonstrar à população quem era Juscelino de fato e que tipo de democracia ele defendia.

A PM - Odílio Denys à frente - não quis contemporizar e, sem meios termos, partiu para cima dos estudantes e dos políticos da UDN (que aproveitaram a oportunidade para se solidarizarem com os estudantes com a clara intenção de desgastar Juscelino) com tal violência, que deixou atônitos até setores que apoiavam incondicionalmente o governo. Deputados e vereadores foram espancados, repórteres e fotógrafos da grande imprensa, agredidos; os estudantes, frente a tal brutal repressão, fugiam, sem ter forças para partir para o enfrentamento. Quase que imediatamente, a UDN soltou um comunicado à população, onde denunciava a selvageria da polícia:

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“Diante de brutal agressão de que foram vítimas, na tarde de hoje, os deputados Adauto Cardoso, Mário Martins e Aurélio Viana e vereadores Wilson Passos e Hélio Walcacer, espancados pela PM em frente à sede da União Nacional dos Estudantes, na hora em que, depois de identificados, interferiam pacificamente para evitar que os estudantes sofressem violências, a UDN manifesta a sua solidariedade àqueles mandatários do povo e protesta veementemente contra o insulto ao Poder Legislativo e o desrespeito às imunidades parlamentares.
Na hora em que o governo impôs ao povo, cansado de esperar melhores dias, maiores encargos no custo de vida, não pode e não deve sufocar os naturais protestos com a violência e a supressão das garantias constitucionais."


Obviamente, toda a imprensa, especialmente a oposicionista, reproduziu tanto a nota quanto as repercussões sobre o acontecido. No dia dois de junho, O jornal O Globo, por exemplo, trazia como manchete principal “Exigida na Câmara a Punição dos Responsáveis Pelos Atentados às Imunidades Parlamentares.”
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A censura, paralelamente, que, teoricamente, não mais existia, interveio nas estações de rádio da cidade, proibindo-as de veicular qualquer notícia sobre o quebra-quebra dos últimos dias e os acontecimentos mais recentes, sendo que a Rádio Globo chegou a ficar fora do ar, no dia primeiro de junho, à noite, por 17 minutos, por imposição do chefe do Serviço de Censura, o então major Alberto Franco, só voltando ao ar após entendimento direto entre a emissora e o chefe da Polícia, mesmo assim, somente para executar músicas. Essa intervenção durou pouco tempo, mas deu gás à oposição para fustigar, ainda mais, o jovem mandato jucelinista.
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Já então com fama de conciliador, o presidente, por isso, não titubeou e chamou a liderança estudantil para uma conversa, acabando, no dia seguinte, com a movimentação dos estudantes. Foi mais um “pequeno problema” com que o presidente se defrontaria ao longo de seus quatro anos de governo que se resolveria em pouco tempo e sem muitas feridas abertas.
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Superado o período inicial de efetivação da máquina burocrática, o governo JK começou a pôr em marcha seus planos de desenvolvimento econômico; após a fabricação, em 1955, da Romi-Isetta, primeiro veículo automotor genuinamente fabricado no Brasil, nesse ano de 1956 a produção da Rural Willys, uma perua utilitária de gloriosa memória, foi o pontapé inicial para a entrada dos gigantes estrangeiros do setor, surgindo, também a Vemaguet, fabricado pela DKW-Vemag. Sobre essa questão, Juscelino, mais tarde, chegou a dizer:
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“A atividade do governo no setor automobilístico não tardou a repercutir no exterior, dando origem a uma verdadeira aluvião de pedidos de informações. Eram empréstimos franceses, alemães e ingleses que se movimentavam (...). Fui surpreendido, em meados de junho de 1956, pela visita do Sr. E. Riley, diretor da General Motors (...). O industrial americano viera ao Brasil com o objetivo de estudar a possibilidade de instalação, em São José dos Campos, no Estado de São Paulo, de uma fábrica (...). A empresa se propunha a empregar (...) equipamento no valor de 10 milhões de dólares.”
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Em paralelo, o governo dava início a um processo de consolidação da indústria nacional de autopeças; exatamente como no caso da indústria automobilística, não se pôde contar com o tão esperado capital americano, àquela altura direcionado para o Japão e à Europa, o que abriu as portas do mercado brasileiro ao capital europeu, que via o mercado latino-americano como mais do que promissor, como uma mina de ouro. Muito ajudou a nova administração a famosa Instrução 113 da Sumoc (como vimos ao analisar o governo Café Filho), que permitia importações sem cobertura cambial, ao mesmo tempo em que o capital estrangeiro se via beneficiado com as imensas facilidades de se remeter rendimentos para seus países de origem.

Como se fosse um cenário para coroar o clima de euforia e otimismo gerados pelos Planos de Desenvolvimento do governo Kubitscheck, no dia 25 de abril de 1956, fundava-se a Usiminas – Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S/A, localizada no Estado de Minas Gerais, no Horto de Nossa Senhora, que se tornaria a cidade de Ipatinga, uma das mais importantes cidades do Estado. E como resultado da aliança PTB/PSD, diversas leis foram aprovadas, com destaque para aquelas que criavam o Departamento Nacional de Endemias Rurais, a execução do Plano do Carvão Nacional, a alteração do imposto sobre combustíveis e lubrificantes, a prorrogação da Lei do Inquilinato, a autorização que permitia à presidência a toma providência para a construção de Brasília, o aumento de vencimentos de militares e funcionários públicos, a prorrogação das medidas relacionadas com o Plano de Metas, o que permitiria a continuidade de atuação do BNDE, fundamental para a consecução do Plano e diversas outras.

Se na economia, todavia, as coisas pareciam caminhar a contento, na política – ou se deveria dizer na questão militar – tudo parecia conspirar contra o novo governo. Um dos principais problemas tinha relação exatamente com o fiador de Juscelino, o general Teixeira Lott.

Sob a orientação ideológica de Carlos Lacerda (criador do “Clube da Lanterna”, grupo de oposição ao trabalhismo e às idéias de esquerda), o jornal Tribuna da Imprensa não dava tréguas ao governo; atacava tudo e a todos com a mesma virulência que atacava o governo de Getúlio Vargas. O general Lott, exatamente por ser o esteio de Juscelino junto às Forças Armadas, era especialmente atacado sem meias palavras. Ciente do problema, exatamente por ter a convicção que a democracia brasileira era muito frágil, muito dependente da serenidade das Armas, Juscelino encarregou ao ministro da Justiça, Nereu Ramos, a redação de um anteprojeto de lei, que visava a punir os excessos cometidos pela imprensa, que, antes de ser enviada ao Congresso, deveria ser debatida no seio da Associação Brasileira de Imprensa – ABI e na redação dos jornais em circulação.
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Aliás, a UDN como um todo, já no mês de maio, demonstrou a Juscelino que sua oposição seria violenta e despudorada. No início do mês, o jornal O Globo estamparia, em grande manchete que “A UDN ABRE FOGO CONTRA JUSCELINO”, reproduzindo o teor do discurso a ser proferido na tribuna da Câmara Federal pelo deputado João Agripino contra o presidente:
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“Sou um homem a quem a paixão política não contamina. Observei em silêncio, até agora, a administração Kubitschek. Melhor seria que não houvesse motivos para romper o silêncio. Mas, infelizmente, não acontece assim.
A verdade é que graves escândalos se processam aos olhos do presidente da República, e, ao que tudo indica, com a sua conivência ou, pelo menos, complacência. Suas marchas e contramarchas, afirmações e negativas, estados alternados de euforia e depressão tornaram-no, muito cedo, o mais fraco, hesitante, omisso e desautorizado presidente da República.”
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Qualquer similitude com o que a oposição diria, bem mais tarde, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (inclusive com o desejo, expresso pelo ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso, de que precisava haver, no cenário político nacional, alguém do tipo Carlos Lacerda), não terá sido mera coincidência.

Foi nesse clima pesado que Juscelino foi obrigado a confrontrar, mais uma vez, o setor empresarial. Em Julho, ele anunciou a fixação dos novos níveis do salário mínimo, não deixando, porém, de declarar à imprensa que o fazia “sem júbilo”, sem inteira convicção de que estava fazendo a coisa certa para os trabalhadores, mesmo aceitando a responsabilidade de seu ato, frente ao aumento do custo de vida. Na realidade, frente a seus compromissos de campanha, Juscelino se viu sem saída, já que, o último aumento do salário mínimo se dera em Julho de 1954, sendo fixado por Getúlio Vargas em Cr$ 2.200,00 por mês. E JK não fez feio; elevou o salário-mínimo para Cr$ 3.700,00 mensais (DIEESE), um aumento em torno de 62%, o que não foi pouca coisa, para um governante praticamente em início de mandato.
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A Federação das Indústrias do Distrito Federal, tendo Júlio Pedroso Lima Júnior como seu porta-voz, criticou o aumento, considerando-o “excessivo”, dizendo que, além do mais, o ato de Juscelino iria contribuir, ainda mais, para a depreciação da moeda brasileira.
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Ainda com relação à lei relacionada aos excessos cometidos pela imprensa, o jornal Tribuna da Imprensa – secundado por um semanário de extrema-direita, Maquis – reagiu com violência sobre seu teor, reclamando que tudo seria um subterfúgio para a instalação da censura nos órgãos de comunicação, apesar da concordância de outros órgãos da imprensa, capitaneadas por O Globo. Nesse contexto, aquele Jornal, como para colocar o governo à prova, resolveu colocar lenha na fogueira. Em agosto desse ano, publica uma reportagem em que Raimundo Padilha, eleito Deputado Federal em 1954 pela UDN, ex-simpatizante do nazismo e futuro líder da maioria da ditadura militar no governo Castelo Branco, denuncia, obviamente sem provas, o ministro da Guerra por, supostamente, estar oferecendo postos de comando a oficiais sabidamente comunistas. Também, nesse mesmo mês de agosto, outra denúncia grave contra Jango foi estampada nesse mesmo jornal.
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Segundo o diário, o vice-presidente teria se metido em transações nebulosas com madeiras, colocando, também, em suspeição, o presidente da Argentina, Juan Peron, que, como Jango, era uma das obsessões do Tribuna da Imprensa. A repercussão, obviamente, foi imensa, repercutindo em todo o Brasil. A reação do governo não foi outra: sob o comando do chefe da polícia do Distrito Federal, general Augusto Magessi Pereira, secundado pelo major Hermes da Fonseca Netto, a edição foi apreendida.

Juan e Evita Peron.

Jango negou veementemente tais acusações, acusando o jornal de perseguição política. O jornal O Globo pouco repercutiu a notícia, mas, em um editorial (23.08.56) com tons mais políticos do que relacionados ao fato em si, em que chama as acusações de “gravíssimas”, não obstante o título – Jango Inocente Até Prova em Contrário –, não deixou de tirar suas casquinhas:
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“O GLOBO tem assistido, sem comentários, ao desdobramento da gravíssima acusação formulada contra o Sr. João Goulart (em reportagem da ‘Tribuna da Imprensa’ aparece incriminado o Sr. Goulart como participante de uma transação versando sobre madeiras brasileiras, a qual, por interferência do nosso atual vice-presidente junto ao presidente argentino, teria sido consumada, rendendo, além de um milhão de pesos, 60 mil dólares americanos). Nossa atitude de expectativa inspira-se num apurado sentimento de justiça, partindo da premissa – base moral de nosso estilo de vida – de que toda pessoa é tida por inocente até prova em contrário.
Adversários do vice-presidente da República, cujos atos, como ministro do Trabalho, combatemos por seu caráter subversivo e prejudicial aos interesses das próprias classes laboristas, não cessamos de mostrar as inconveniências de sua ascensão à segunda magistratura da nação pela soma de agitações e lutas que ela fatalmente acarretaria.
Também as relações íntimas do senhor Goulart com o presidente Vargas e os maus elementos do Catete que o cercavam e o arrastaram ao sacrifício sempre se nos afiguraram de molde a simbolizar sua escolha uma restauração dos grupos, dos erros, métodos e males que ocasionaram a tragédia de 24 de agosto.
Num país de homens isentos e prudentes, jamais passaria pela cabeça de líderes responsáveis arquitetar uma resolução de governo com o nome do senhor Goulart, em posição preponderante, numa fórmula política. Pode-se dizer que todos os sobressaltos que perturbaram a vida nacional nestes últimos 12 meses, mesmo os golpes de novembro, são devidos quase exclusivamente à candidatura e posterior eleição do atual vice-presidente.

O próprio e honrado general Teixeira Lott, antes do pleito, num irreprimível desabafo, chegou a dizer: ‘receio não controlar o Exército se Jango Goulart for candidato.”
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No mês seguinte, setembro (mês em que foi aprovada a Lei 2.874 que autorizava Juscelino a transferir a capital para o planalto central e autorizando o Poder Executivo a tomar inúmeras providências para acelerar a construção da nova cidade, inclusive, a de constituir uma sociedade que se denominaria Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil), o semanário Maquis esquenta ainda mais o caldeirão das intrigas: em sua primeira página foi estampada a foto do general Lott ao lado de um título de uma só palavra, porém mais eloqüente do que qualquer conteúdo: LADRÃO. Todos os que viram a manchete ou leram a matéria ficaram estupefatos com a audácia da revista. Nas Forças Armadas, nos setores próximos ao general atingido, o clima era de revolta. Imediatamente, Augusto Magessi promove a invasão da redação do semanário, ao mesmo tempo em que recolhe toda a edição e prende todos os que ali se encontravam.
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Tudo o que Juscelino não queria era uma crise com os militares; entretanto, fosse para que a recente democracia não ficasse arranhada, ou para que sua autoridade não fosse colocada à prova, o presidente imediatamente exigiu que os detidos fossem soltos e os exemplares apreendidos liberados. Sentindo-se desautorizado por Juscelino, Augusto Magessi demitiu-se do cargo, coisa corriqueira, não fosse a conjuntura daquele momento, com a UDN à espreita e os militares golpistas sempre conspirando.

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E eles não tiveram que esperar muito; logo em seguida, em 11 de novembro de 1956, aniversário do movimento que tirou Carlos Luz do poder, milhares de pessoas, civis e militares, tendo à frente o vice-presidente Jango Goulart e quase toda a liderança sindical, muitos integrantes de um movimento intitulado “Frente Onze de Novembro”, se concentram em frente ao ministério da Guerra para homenagear o general Lott por sua participação ativa contra a abortada rebelião. O local era área de segurança nacional, vedado a comícios, e Juscelino percebeu a inconveniência de tal encontro, tendo, inclusive, advertido seu ministro para tal.
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Não obstante a advertência, o ministro da Guerra subiu ao palanque (acompanhado, diga-se de passagem, pelo comandante da 1ª Região Militar, general Odílio Denys) para receber a homenagem que lhe estava sendo prestada; e pelas mãos de João Goulart, foi-lhe entregue uma espada de ouro, tendo as seguintes inscrições: "Civis e militares oferecem ao general Lott (...) A espada de Novembro". Em seguida, Jango discursa, seguido de uma resposta razoavelmente longa do general, em que era destacada a importância daquele momento em prol da democracia e reafirmando o apoio das Forças Armadas ao atual governo ao qual servia como ministro.
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Esperto que era, Juscelino imediatamente captou os problemas que doravante poderiam ser criados com esse tipo de manifestação por parte de militares, tanto da ativa quanto da reserva; assim, enviou mensagem aos comandantes das Forças Armadas proibindo tais tipos de manifestações, políticas por excelência. O ressentido Juarez Távora, em virtude dos recentes acontecimentos, em entrevista a uma emissora de televisão, se recusa a acatar as ordens emanadas dos comandos militares, não vendo, segundo ele, autoridade moral no governo para tal, recebendo, por isso, a solidariedade de diversos outros oficiais companheiros de Arma, que chegaram ao limite da desordem, ao enviarem um ultimato ao governo civil, exigindo que nenhuma punição fosse imposta ao ex-candidato por suas opiniões, sob pena de ser criada uma grave crise no Exército.
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Em outra frente, a Marinha também se manifestava; o ministro Alves Câmara foi o porta-voz de um memorial de advertência ao governo, em que eram destacados os perigos que a associação de comunistas e novembristas (como eram chamados os integrantes do grupo que abortou o golpe de novembro de 55) trazia ao país. Juscelino repeliu tal memorial, considerando-o ato de indisciplina, ameaçando, inclusive, prender todo o almirantado caso o documento não fosse repudiado.
Após rejeitar um segundo manifesto, o governo elaborou, por conta própria, um terceiro texto, que, após ser submetido ao almirantado, foi por eles acatado, tendo sido essa versão, a mais branda possível, a que foi publicada pelos jornais. Porém, Juscelino sentiu que tantas e repetidas crises envolvendo militares e civis não podiam continuar, já que emperravam a administração e estavam impedindo que seus planos fossem implementados.
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E num gesto de sabedoria e audácia, decretou o fechamento tanto do “Clube da Lanterna” quanto da “Frente Onze de Novembro”, ordenando, ao mesmo tempo a prisão de Juarez Távora por indisciplina por causa de sua entrevista, cujo teor fora amplamente divulgado pela imprensa, principalmente a udenista. O ministro da Guerra, Henrique Teixeira Lott, se recusou a cumprir a ordem do governo, pedindo, imediatamente, sua demissão do cargo, sendo demovido desse ato pelo rogo de companheiros e amigos, dentre eles o eminente advogado Sobral Pinto, que praticamente lhe implorou a permanência no cargo em nome da governabilidade. Juarez Távora ficou em prisão domiciliar por 48 horas e a crise foi contornada a contento.
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Restou a contenda com a Marinha; a solução foi a compra, em meados de dezembro de 56, de um porta-aviões da Inglaterra, utilizado na 2ª Guerra Mundial, por um preço muito acima do que valia, rebatizado agora com o nome de “Minas Gerais”. Pura sucata, quase imprestável para o uso, tendo sido necessários diversos reparos nos estaleiros brasileiros para a sua efetiva utilização que custaram ao país uma pequena fortuna, mas, cuja compra era absolutamente necessária para acalmar os ânimos. Juscelino chegou a dizer que,
“com o porta-aviões, deixarei de ser inimigo da Marinha e, ao mesmo tempo, serei esquecido pelos partidários do brigadeiro (Eduardo Gomes), que, de outra maneira, não me deixarão governar.”
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A idéia inicial era agradar a Marinha, mas a Aeronáutica também entrou no circuito, exigindo o comando do navio; criou-se uma disputa feroz nas duas armas sobre quem devia comandar o navio. A Aeronáutica argumentava que, por ser um porta-aviões, o comando deveria ser dela. A Marinha, por seu lado, dizia que, não obstante o navio servir de pouso para os aviões, ele se exercitava dentro da água, e a água era de sua exclusividade.
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Antes que a disputa se tornasse uma crise, chegou-se a uma solução salomônica: As operações de manobras aéreas ficariam sob o comando da Aeronáutica, enquanto as manobras de navegação permaneceriam sob o comando da Marinha. Um final feliz para um fato que, mais tarde, em 1962, seria o mote para uma música intitulada Brasil Já Vai a Guerra, sátira feroz do compositor e cantor Juca Chaves, que, logo depois de lançada no mercado, foi proibida pela censura:
“Brasil já vai à guerra
Comprou um porta-aviões
Um viva pra Inglaterra
De Oitenta e Dois milhões
Mas que ladrões!
Porém há uma peninha
De quem é o porta-aviões?
É meu!" diz a Marinha
É meu!’ diz a aviação
Ah! Revolução!”.
Comenta o Zé povinho
Governo varonil
Coitado, coitadinho
Do Banco do Brasil
Há, há, quase faliu.
Brasil já vai à guerra
Comprou um porta-aviões
Um viva pra Inglaterra
Brasil, ó pátria amada
Que palhaçada.”
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No final do ano, Juscelino toma uma decisão que provocou bastante controvérsia em todo o país: em troca de um empréstimo de Cem Milhões de Dólares em armamento, o Brasil cedeu a ilha de Fernando de Noronha para que os norte-americanos ali instalassem uma base de rastreamento de foguetes, dentro do contexto da guerra fria, o Brasil, com esse gesto, demonstrando cabalmente que estava alinhado com os interesses dos Estados Unidos. Os setores nacionalistas protestaram, mas nada puderam fazer. E mais desconfiados do governo ficaram quando começaram os rumores de que o Brasil estava preparando para enviar tropas para o canal de Suez para reforçar as tropas da ONU que ocupavam o canal sob o comando de americanos e ingleses, o que efetivamente aconteceu no início do ano de 1957. Para setores de esquerda, além de entreguista, o governo JK estava se alinhando, perigosamente, aos Estados Unidos, naquele momento muito questionado pelos países latino-americanos, interessados em mais ajuda financeira para sanar seu crônico subdesenvolvimento.
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Mas Juscelino, já com a definitiva pecha de entreguista que o acompanharia por todo o seu governo, estava atento com o que acontecia com a classe trabalhadora. Pressionado pelo PTB, pelos comunistas que, mesmo na ilegalidade, dominavam vários sindicatos, e por Jango Goulart, mesmo sabendo que poderia perder o apoio dos industriais, ele concede um reajuste de 60% no salário mínimo, o que proporcionou um importante aumento no poder de compra de grande parte da massa trabalhadora que ganhava esse salário.
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Com tantos e variegados problemas, Juscelino teria que se desdobrar para que, no segundo ano de seu governo, seus planos pudessem sair do papel e suas ambiciosas metas de desenvolvimento se tornassem realidade. 1957 seria um ano crucial para seu frágil governo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Shooow de bola!!!! mais que importante, completissímo!!! tudo que eu precisava saber está aqui!!!!
Nota 1000!!!